domingo, 18 de maio de 2014

Babel


A Arte de Suportar-se




    Apesar de não morar sozinha há alguns aninhos, me suportei solamente sola por uns bons anos e posso dizer que isso não é apenas um estado ou uma condição, mas uma arte que nem todos dominam ou querem dominar. 
    Morar sozinho é tornar-se velho e mimado instantaneamente. Afinal você tem uma casa inteira, por menor que seja só pra você e suas coisas. Dentro da sua casa só tem as tralhas que você quer no lugar que você escolheu. Nada de ficar encarando aquele quadro medonho da tia-avó do seu amigo que divide a casa com você ou de suportar o sofá verde lodo de veludo desbotado, que sua mãe insiste em manter, pois, é de família. É o fim da agonia. 
    Morar sozinho é assustador, mas não precisa trancar a porta do banheiro e o que você deixou na geladeira ontem, vai estar na geladeira pela manhã. Que diga o Felipe que sempre tinha mini doces sequestrados da geladeira. Ele ainda tem esperança de encontrar os restos mortais dos rebuçados, e quem sabe enterrá-los propriamente. Pobre rapaz. 
    Além disso, não dividir a sua casa com ninguém é a maior, e mais eficaz fábrica de manias já inventada. Cria mania de deixar a toalha estendida no banheiro num lugar específico, por que às 13h12minhs vai bater um sol bem bacana nela. Mania de deixar os controles no lado que você mais gosta de sentar no sofá. Mania de fingir não estar em casa. Mania de olhar se o gás está fechado, se a porta está trancada. Mania de deixar a janela aberta e ao chegar a casa encontrar morcegos, mariposas obesas e exércitos de pernilongos tomando um chá na mesa da sala. 
    Morar sozinho é perder o ego e o orgulho pelo cano afora, já que, por não ter quem culpar pela bagunça ou pelos pratos sujos na pia, você percebe que nem é tão organizado assim. Morar sozinho é sentir-se no éden, mas sem precisar da folha de parreira ou se preocupar com o pecado inicial. Morar sozinho é ter tanta liberdade, mas tanta liberdade que no fim você acaba decidindo ficar em casa sem fazer nada mesmo. Tem coisas que ficam sem graça quando ninguém te impede de fazê-las. 
    É poder lavar a cozinha às três da manhã, escrever nos azulejos do banheiro de canetinha e ter a cama in-tei-ra só pra você. É reinventar-se a cada momento, para que, toda vez que entrar em casa, poder surpreender-se consigo mesmo por conseguir manter uma casa por anos, sem botar fogo em nada ou se eletrocutar ao resolver trocar seu primeiro chuveiro queimado. 
    Reinventar-se é evitar separações, desquites e crises existenciais com você mesmo. Não que dividir a casa com outra pessoa não seja uma arte também, mas isso é história para outro dia.


Safada


A morte safada 
Me beijou com a boca molhada 
Fiquei assustada, imagina! 
Bebi Fanta, mas era estriquinina 
Achei a morte meio atrapalhada 
Caiu de quatro no hall de entrada 
Quem diria que irônico 
A morte é besta, como é cômico! 
Mas agora falando sério 
Vou contar como parei no necrotério 
Acho que fui assassinada 
Pela filha da empregada 
Calma, calma, não culpem a coitada 
É só uma menina que brincava entediada 
Achou que fazia uma poção 
Pra curar a febre de Hupert, meu cão 
Pegou a estriquinina na gaveta 
Achando que era um remédio porreta 
Jogou na Fanta junto com sal 
E levou tudo para o quintal 
A menina esquecendo um ingrediente voltou 
Pra cozinha muito inocente 
Eu chegando em casa com sede
Achei a Fanta um deleite! 
Bebi tudo rapidinho 
E caí dura num instantinho 
Ainda acham que foi suicídio 
Mas fui tudo um mal entendido 
A vida por aqui é pacata 
Tirando a morte que é desastrada 
Imagina, eu devia estar no céu 
Abraçando Deus e cantando o Créu! 
Mas a tonta me levou para o inferno 
Pensando que eu era um político de terno 
Agora estou presa com o chifrudo 
Jogando xadrez e ouvindo Menudo 
Quem diria o capeta é um doce! 
Fala mansinho e é todo precoce 
Tatuou na bunda a Betty Boop 
E gosta de ser chamada de Lulu!