sábado, 24 de setembro de 2016

Singela Ode ao Mar

Ah o mar
Sempre tão constante em toda sua inconstância
Selvagem em prantos de calmaria
Fortaleza de areia líquida que não mata nossa sede

Ah o mar
Nos nina em colchões de espuma
Nos abraça com luvas de seda translúcidas
Nos morre sem nos deixar chance de viver

Ah o mar
Envolvido pelo mato profundo
Pelo vento que acarinha o temor de sua noite
Pela folhagem que afaga a palavra perdida

Ah o mar
Quanto respeito a esse nobre senhor
Que com idas e vindas nos ensina como a vida é pequenina
Que lava a vida velha nas ressacas das grandes luas

Ah o mar
Um salve ao mar
Um salve ao vento que traz o mar
Um salve aos respingos de vida salgada que venta o mar

Ah o mar
Uma ode sem nexo para o mar me perdoar
Uma ode estranha para o protetor o mar
Uns versos sem rimas, pois não posso comer a grandeza do mar

O mar
Cavalga as ondas nas pontas dos pés
Mira o horizonte sem saber o que vai ser de seu fim indelicado
Carrega doce rio no ventre de seu sal

Ah mar
Se eu soubesses o que sabes
Não me salgaria a boca com as amarguras de tuas entranhas
Não deixarias que me levasse assim mansinho

Bença mar
Se tu dizes que não devo em ti entrar
Secarei meus pés antes de me retirar
E com os olhos ainda baixos não mais hei de te pisar

Bença meu grande mar




sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Pochete



ela usa pochete
e escreve blog sem manchete
ela faz versinho de amor
que rimam meu querido senhor
dizem que é sonhadora
outros gritam é só mais uma usurpadora
mas na quinta ensolarada
ela pensa bem nessa parada
e com a mente quase a esmo
ela conclui que na verdade, é brega mesmo.




Português Sacana


me lambuza de verbos
depois me atira em reticências



Brega


olha que brega
eu aqui moça feita
vacinada e direita
escrevendo versinho melado
para que o vento o leve ao seu lado




Questionamento


- Por que você escreve tanto sobre o amor?

- Porque nunca poderei vive-los todos, mas posso escrever sobre qualquer um e enquanto escrevo eu os amo e eles me amam também.



Apareça

Apareça e quando chegar não se importe em lavar as louças ou secar os pratos. Não precisa tirar os sapatos, só porque eu tirei os meus, mas se quiser ficar descalço jogue as meias em qualquer canto e conte-me seus desassossegos.

Apareça e quando chegar finja que não percebeu a torneira quebrada, o tanque que virou pia ou a sujeira do fogão. Não note os móveis sem nexo e as fronhas que não combinam, fale sobre seus amores, sobre suas dores e sobre aquela teoria de conspiração alienígena que descobriu semana passada.

Apareça e quando chegar não repare no cachorro cheio de terra batida e que deixa caminhos de areia pela casa. Não me dê dicas de como me livrar das pulgas, nem me fale daquele shampoo que seu veterinário indicou para seus cães. Apenas puxe a cadeira e me presenteie com um suspiro de vida que pulsa.

Apareça e quando chegar não fale sobre os papéis que preencheu no trabalho, ou sobre o trânsito que estava estranho para uma quarta-feira. Mostre-me seus rabiscos, seus escritos, seus desenhos. Conte-me sobre o abstrato retratado em um antigo quadro.

Apareça e quando chegar não entre de imediato. Deixe-me guia-lo por entre os caminhos escuros de mato profundo e me tire para dançar no breu do silêncio, enquanto os vaga-lumes saboreiam a noite conosco.

Apareça e quando chegar não reclame da crise, não discuta religião, não me conte sobre a frente fria que vem chegando. Escutemos, ao invés, uma música estranha, completamente nus.

Apareça e quando chegar olhe nos meus olhos, faça silêncios constrangedores e me dê longas explicações sobre o porquê da fragilidade da vida ou sobre as transformações cósmicas e energéticas que pairam sobre nós.

Apareça e quando chegar me dispa primeiro com seus olhos, depois arranque toda a roupa de meus pensamentos e deixe minhas palavras nuas e arrepiadas.


Apareça e quando chegar não peça para eu fazer o jantar, mas se quiser comer meus excessos, basta me desembrulhar.  



quarta-feira, 14 de setembro de 2016


Academia

hoje é quarta-feira
vou bombar nessa esteira
vou malhar direitinho
pra ficar com o bumbum empinadinho
vou vestir minha pochete
pois dou musa fitness da danette
depois tirar foto com o celular
fingindo não ligar
pro vazio a me afrontar





Pago Bem

Não achei remédio pra breguice
Não tinha mais na pochete falsa da le postiche
Alguém tem? 
Pago bem
Essa noite não tomei
Veja só o que arrumei



Adendo

"eu queria tanto que você não fugisse de mim, mas se fosse eu, eu fugia"

é sério tá. foge.


Corra para as Grutas

Eis uma listinha breve
Com conselhos leves
Que talvez quisesse anotar

Fique longe viu criança
Corte logo essa dança
Tente dessa vez não se molhar

Não acredite em meu sorriso
É apenas um aviso
Fique assim no seu lugar

Me ignore na passagem
Não responda as curtas mensagens
Tente agora me escutar

Vá para casa meu amigo
Durma bem no seu cantinho
É melhor tu repousar

O dia é sempre longo nas andanças
Na desordem da ciranda das crianças
Na lua quente sem estrelas a reinar

Vá pra casa sem problemas
E não confie nos poemas
Escrevo só e sem pensar

Mas acredite nessa história
Da loucura transitória
Que paira triunfante
De maneira vil e errante
Na mente quase coração
Dessa poeta sem noção

Fuga para as grutas
Que eu corro para os Alpes
Nada mais seguro
Que ser agora um dedo duro

Não diga que não avisei
Estou dizendo que parei
O que pouco comecei
Pois não posso mais confiar
Nessa mania tola de sonhar

Amanhã vou fingir não me importar
E da memória remover seu celular
Não estranhe, então, meu eu vulgar

Mas, se numa onda inconstante
Eu surgir subordinante
Por favor me mande embora sem pesar
Pois quando a noite terminar
Vai ser melhor eu só estar
Vai ser melhor se não ficar

Então, fique longe sem pesar


segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Carta Aberta de Desligamento

Ando com raiva de você. Desculpe-me. Mas é que quando eu comecei a olhar para nossa história pelo lado de fora eu me senti uma tábua de tão ingênua que fui com minha devoção por você. Senti-me aquela garotinha do colégio que se apaixona pelo professor, achando que ele a ama só por que seu sorriso parece feito para ela. Senti-me ingênua por te amar tanto, por te querer tanto, por querer te ter para sempre. Senti-me ingênua por ter continuado, por tanto tempo, ainda querendo ter um cachorro feio contigo. 

Mas a vida, espertinha que só, me deu um cachorro lindo e feliz e mais companheiro do que você foi nos últimos tempos. E a vida, mais espertinha ainda, o deu só para mim. Mas devo pedir mais desculpas ainda, porque a raiva é de mim mesma na verdade. De ser tão dramaticamente jogada aos amores e querer ser um, sendo dois. Não posso negar minha sofreguidão canceriana. Mas também, acho que nunca deixei de negá-la. Mas compreendo que não é fácil segurar a barra de estar comigo. Eu mesmo às vezes bato na minha cara, às vezes a bicha fica louca, não é? Eu sei. Mas a minha loucura foi cristalina. Foi sincera. Honesta. Fiel. No maior ato de amor eu compartilhei toda minha insanidade, eu coloquei todos os meus monstros na mesa. Desculpe se foi demais. Eu sou demais às vezes. Eu sei. 

Gostaria que tivesse continuado compartilhando seus demônios comigo, mas talvez, o seu demônio fosse eu.  Não foi minha intenção. Minha intenção era só dançar com você. No fim, a gente nem dançou junto né. Mas eu dançava na sala, na sacada, no quarto. E dançava com você, mesmo que ali não estivesse. Depois por um tempo, ainda continuei dançando por nós. Hoje já ando dançando só para mim mesma. Mas a raiva é um sentimento tão contraditório a todo o amor que existe em mim que não dá mais para manter essa sofreguidão. 

Nosso antigo apartamento já não tem mais nada que conta nossa história. O computador pifou antes de eu ver nossas fotos. Os móveis se separaram. Tudo se foi. A cidade já não é mais a mesma. Os sons que escuto ao acordar já não são os que costumávamos ouvir. Os dreads se foram e com eles três anos de histórias nossas. Acho que as pulgas que infestaram a nova casa e começaram a pular nos cabelos, me fazendo cortá-los na raiz, foi a vida dando um tapinha nas minhas costas, me olhando nos olhos e me mostrando que o caminho agora é novo, deixe então as velhas madeixas. Deixe tudo ir. Se dispa de você mesma. Se esvazie e se deixe encher de novo. Faça novas histórias enquanto o cabelo cresce. Vamos crescer juntos, lentos, mas constantes. Vamos cuidar para que cresçamos fortes e cheios de brilho. 

Continuo pedindo desculpas, por que também não é justo deixar de lembrar que tivemos doces momentos, que rimos muito, que nos divertimos com nós mesmos, que éramos felizes e engraçados, mesmo depois de tanto tempo sóbrios. Como não se lembrar de nossa incrível viagem para as terras do nunca que nunca esquecerei. Mesmo com a falta das putas das fotos que não cheguei a ver e que entreguei para o universo. Um dia será tempos de revê-las e elas voltarão sem esforço, como uma folha seca na correnteza. Os seriados que vimos inteiros juntos. Nossas diversas casas. O tempo que tivemos um lar. Os abraços, os chamegos, os cheiros. Nossa coleção de post-its com constatações. Manoel de Barros. O cheiro do café todos os dias pela manhã. A televisão que você ouvia tão alto e que eu sempre abaixava e que você depois aumentava. Nossas palas de ipas em dias rotineiros. Seus cachos. O mequetrefe. E coisas que me deixam saudosas por eu não me lembrar mais. E que aos poucos vou lembrar menos e menos e menos. Como uma luz cênica que aos poucos se esvai. A luz do nosso palco apagou e hoje preciso fechar as cortinas, pois nosso espetáculo saiu de cartaz por incompatibilidades de gênios dos atores principais. 

Também preciso te agradecer, pois só assim pude seguir meu caminho e fechar uma grande ciclo de vida. Fico feliz de perceber que consigo fechar ciclos e concluir todas as grandes metas que me imponho. É claro que a vida dá uma ajudinha. Mas você também deu. Talvez, se você tivesse ficado, eu ainda estaria aí e nenhuma das coisas grandiosas que me aconteceram esse ano, teriam sequer existido e apesar de ainda estar colando meus pedaços eu sinto que estou exatamente onde deveria estar. Eu e meu cachorro. 

Não sou de expor as coisas dessa maneira, mas isso tudo estava travando minha criatividade e babe, eu realmente preciso escrever, eu preciso organizar toda a literatura que está bagunçada em meu estômago e criar frases que tenha sentido, parágrafos que tenham coerência entre si. Era preciso liberar palavras antigas, pois as novas andam sem espaço. Liberei a casa, a cidade, o cabelo, as palavras. Liberei eu mesma de você. Por que quando o sol voltar, trazendo a primavera, eu quero colocar meus vestidos coloridos, minha sandália verde e sair de mãos dadas com a vida que pulsa. Preciso de espaço para esse pulsar todo que existe em mim. 

E por fim, da próxima vez, não esconda seus demônios. Não esconda se tiver sentimentos por outro alguém. Não deixe de ser sincero. A mágoa da mentira e da omissão é sempre mais pesada. Acho que apesar de todos os meus defeitos e loucuras, sempre te dei espaço para me dizer tudo que estava dentro de você. Eu aguentava. Minha fragilidade é a minha maior fortaleza, pois nela extravaso o peso da vida e sigo sempre forte para aguentar os trancos que ela me dá, mesmo que as vezes eu pare um pouco para respirar. 

Mas faz assim, sigamos a vida, sempre sabiamente e sem medo de nossos monstros, e um dia a gente se encontra sem querer e toma uma bem gelada, enquanto lembraremos docemente de nossas manias infernais, das loucuras que nos irritavam e até as tristes histórias serão lembradas com amor, pois quando todos os sentimentos acabam, restam as histórias e a nossa um dia será lembrada com um sorriso de canto de boca enquanto brindamos o fim de uma era com o tilintar dos copos americanos em algum bar de beira de esquina. 

Enquanto isso, sigo com minha terrível mania de amar, mesmo que ainda não haja forças suficientes para mergulhar no cheiro de outro alguém, apesar de já querer existir um outro alguém, que de certa maneira sempre existiu. Mas ainda caminho pelas ruas da indiferença. É estranho ser indiferente. Uma canceriana indiferente que anda tentando não se apaixonar de novo. Ainda não sei como lidar. Eu era um balde rosa pink cheio de água pura. Um balde que mataria nossa sede por muito tempo, até que ele caiu no chão e quebrado levou toda a água pelo ralo de uma vez. Emergi como que de águas profundas, já quase sem fôlego e chegando em terra firme, já não havia água, já não havia balde, já não havia rosa pink e em terra firme fiquei sem chão, no vazio de minha ingênua existência. 

Engraçado como te amo, sem te amar mais. Engraçado como te quero sem te querer mais. Engraçado estar explodindo no vácuo. Talvez assim veio o big bang. O universo sofrendo com sua grandeza vazia explodiu em si mesmo a fim de se dividir e ter com quem compartilhar a infinitude da vida. A agonizante infinitude da vida. A doce agonia de viver explodindo pedaços dentro de nossos universos particulares. 

Aos poucos, com o caminhar contínuo o passado vai ficando pequenino, pequenino e mesmo que ainda possamos vê-lo ele não poderá nos fazer mais mal nenhum. Obrigada. Quero te chamar te querido, mas ao mesmo tempo não quero admitir que apesar de tudo você é um querido. Obrigada então querido e desculpe se tantos lerão esse texto antes de você saber que sequer existe. E tantos saberão que falo de você e talvez eu faça você passar por situações estranhas por causa disso, mas ainda estou te mantendo longe. Ainda estamos nos mantendo longe não é? Mas a primavera está logo aí. Que você possa sorrir junto aos ipês amarelos enquanto eu brinco com as ondas quentes do mar à procura de um amor livre que goste de cachorros.


Gramática Simples

procuro palavras
compro sintaxes
troco resenhas e
vendo bloqueios
sequestro rimas
embosco aliterações 
engulo onomatopeias e
regurgito subordinações
abraço o sufixo
me apaixono pelo prefixo
e me finco na raiz
choro pelos acentos perdidos
pelos tremas caídos
e pelo ph esquecido
rezo pelas línguas mortas
receio pelas vivas
procuro letras que ainda se amem
sílabas que não se separem
divago pelos hiatos
filosofo com ditongos
discuto com os tritongos
e nada de topar um encontro consonantal
briguei com as oxítonas
perdi os acentos das proparoxítonas
e me perdi nas adjetivas
desviei de vírgulas
obcequei pelos parenteses
e fugi do ponto final
agora sem preposição
sigo só sem complemento
a procura de um verbo
em busca de um objeto direto
mas as palavras saíram correndo
sem oração coordenada
e eu sigo conjugando
o futuro do pretérito perfeito
conjugarias a ti se fosses tu meu verbo auxiliar