Havia um
tempo que não existia barulho
Mais do que
isso, havia um tempo em que não havia som
Era tudo
massa amórfica. Era tudo breu
Não havia
você e não havia eu
Era o tempo
que o mundo, pertencia ao mundo
E não havia
portas para se fechar
Houve um
tempo que não havia gente
E a gente
que havia não era gente como a gente
Havia gente
que não destruía
Havia gente
que se cuidava e tirava piolho de sua gente
Houve um
tempo com gente bonita assim.
Havia um
tempo em que se conversava na rua
De porta
aberta e cadeira de balanço
Nesse tempo
havia gritos de crianças, corda e peão
A rua era
segura e a gente engasgava com bala lisa e colorida
Tinha
futebol de botão e jogo de bola com a mão
Havia um
tempo que existia avô e avó
Existia
empinar pipa feita de saquinho de plástico
Existia
fazer bolha de sabão com talo de mamona
Nesse tempo
havia horta e pé que dava fruta fresca
Havia
passarinho cantando na gaiola
E o velho
cachorro fugindo pro campinho de futebol
Houve um
tempo que havia silêncio
Houve um
tempo que barulho era brincadeira de criança na avenida fechada pro domingo
Existia
vizinho e existia amigo
Existia
irmão e existia boneca que o irmão jogava na parede
Existia casa
cheia e existia deitar no chão da cozinha
Nesse tempo
não havia piso no corredor
Só cimento e
céu aberto
Depois houve
o tempo de crescer
E de quem
sabe tentar vir a ser
Houve um
tempo que havia vontade de renascer
E tudo
conhecer
Eita tempo
bom
Esse tempo
de desenvolver
Mas aos
poucos o tempo foi comprimindo
E o peito
oprimindo
Houve o
tempo da chuva
E o tempo da
chuva pareceu aumentando
Houve um
tempo de mudança
Não era mais
o ser
Existia só o
fazer, sem às vezes saber porquê
Depois tudo
ficou cinza
Apesar do
belo céu que aqui tinha
Era tudo azul
cor de mar
E tinha
poeira sempre a voar
Existia ipê
roxo no verão
E sol que
queimava sem perdão
Não havia
rima, pois não havia fala
Não havia
boca, não havia nada
Tinha só
mala por desfazer e casa que sem móveis
Ecoava, muda,
o relógio antigo de um andar qualquer
Houve um
tempo que o barulho era música
A buzina
instrumento
O ônibus
percussão
Nesse tempo
o som era alto e o caminho era longo
Mas tinha
cerveja na Augusta
E funk como
le gusta
Havia um
tempo que era o tempo de hoje
Tempo de
agora
Tempo de não
poder mais andar na rua
Tempo de não
ser respeitada por não fingir ser burguesia
De ser
massacrada por andar a pé
O tempo de
hoje não tem mais tempo
Para o
próprio tempo
A vida escoa
a qualquer momento
Compre roupa
ou compre amor
Mas compre
sempre pra não perder seu valor
Houve um
tempo que ainda se estende
Onde sombra
de árvore é mito de livro antigo
Onde arte é
sinônimo de riso
Onde ser
feliz é sinônimo de fio metal
Onde amar já
está fora de moda
E plantar é sinônimo
de fome
Havia um
tempo que a vida era leve
Não havia
moda, não havia greve
Houve um
tempo que importava o ser
Houve um
tempo que não importava ter
Houve um
tempo que começou a ser tempo
De mudar
esse tempo que não nos dá tempo
Houve um
tempo que não querer mais se vender
Pra talvez
poder voltar a vir a ser
Houve um
tempo que era agora
E esse
tempo, por favor, não se demora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário